segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Amélia era a mulher de verdade.


Calma! Espera ai, vamos conversar melhor sobre isso.

Se lhe falarem que você é uma Amélia, o que pensará? Assim como eu, provavelmente, ficará um pouco irritada, pois o estereotipo é de uma mulher  frágil, dona de casa, submissa, sem escolhas, programada para apenas cuidar e servir a sua família, lavar, passar, cozinhar e parir de acordo com o que a sociedade antigamente exigia e considerava que por isso a mulher existia, para ser auxiliar do homem, para servi-lo, aquela bobagem toda de que a mulher veio da costela do Adão.

Amélia se transformou em um estereótipo,  mas a verdadeira Amélia esta muito longe dessa ideia de mulher. Amélia se tornou muito conhecida na música ''Ai que saudades da Amélia'' de 1949 de composição do  Ataulfo Alves e Mário Lago.  

Mas, recentemente, quando ouvi a música, eu tive curiosidades de saber mais, e foi ai que descobri que a musica vem de uma brincadeira  de Almeidinha¹,  que, quando falava-se entre os amigos sobre mulher, ele falava sorrindo:  “Ai, a Amélia! Aquilo sim é que era mulher! Lavava, engomava, cozinhava e não reclamava”.

Amélia Ferreira, uma lavadeira e faxineira que trabalhava na casa de  Almeidinha. De acordo com relatos, ela era casada e batalhava para sustentar seus 13 filhos (Que falta uma televisão e internet não faz na vida de um casal), guerreira e que não dispensava ir ao cinema e se divertia nos blocos carnavalescos com o apoio do esposo.

Amélia é a representação das mulheres batalhadoras, que trabalham, cuidam da casa, da família e ainda arrumam tempo para se divertir.  De fato, Amélia era uma mulher de verdade.

Temos muitas Amélias no mundo, muitas mulheres trabalhadoras, guerreiras, sofridas, que se esforçam para cuidar dos seus filhos. São mulheres que conhecemos diariamente nos nossos trabalhos, na rua, na faculdade, em suma, em todos os lugares. Somos todas um pouco Amélia.

 Quando Amélia de Mário Lago virou erroneamente a “mulher submissa” em algum lugar do passado,  esse tipo de ideal de mulher submissa era referente à nossa cultura machista. Onde as mulheres eram doutrinadas a serem e se sentirem inferiores aos homens, seja no social, na política e na família. O conceito de mulher na época era exatamente o estereótipo que fora erroneamente designado a Amélia.

Trazendo a questão para os tempos atuais, as mulheres devem ser livres para decidir se devem ser Amélias ou apenas donas de casa. Feministas lutaram séculos para desconstruir a ideia de mulher submissa, mas não para querer ditar como uma mulher deve ser e agir no seu lar. As mulheres devem ser livres. Livres para escolher se querem ser ''Amélias Ferreiras'', ou se querem ser donas de casas. É importante darmos a nós o direito de escolher e não achar que é errado uma mulher querer ser dona de casa e cuidar dos filhos, assim como não é errado uma mulher querer ser uma executiva, desde que ambas decisões venham dela e não por uma imposição social e/ou religiosa, nem da família.







¹Irmão da cantora Aracy de Almeida


Perdas, tempo e sociedade

Sabemos que, como sociedade, evoluímos além da ideia de que mulheres são propriedades, que o que nós sentimos, o que acontece conosco, importa. Não podemos negar que, durante os anos, nós evoluímos como sociedade e fomos, com o tempo, tomados por uma consciência  da opressão  das mulheres, acompanhada da vontade de instaurar  a igualdade dos sexos em todos os domínios, a médio ou a longo prazo.

Aquela cultura que dominava e domesticava as mulheres e que as confinavam na esfera do privado se tornou obsoleta em grande parte. No passado, quando discutiam o voto das mulheres e usavam como argumento que caso as mulheres conquistassem direitos na política, seja se elegendo ou votando, seria a destruição da família. Ora, “frívola mania” das mulheres de se aplicarem a temas para os quais parecia que a natureza não as formara, em um desvio dos verdadeiros fins para que foram criadas,  que a mulher não possuía capacidade, pois não tinha, no Estado, o mesmo valor que o homem.

Os séculos foram passando, muitos direitos conquistados, mas em um certo momento acabamos nos perdendo como sociedade em vários sentidos.  Nos perdemos no tempo, nos perdemos na luta, e deixamos de evoluir como indivíduos em vários aspectos, principalmente referente à liberdade individual.

Nos perdemos no tempo, quando alguns indivíduos ainda hoje acham que a mulher é uma auxiliar do homem, que foi feita para ser dona de casa e para servi-lo. Nos perdemos quando ainda hoje vemos casos de violência domestica onde o motivo é claramente o machismo. Nos perdemos quando as pessoas se acham no direito de humilhar uma mulher por causa de um vídeo de sexo. Nos perdemos quando, existem culturas que as mulheres, ainda hoje, não tem voz. Nos perdemos, por outro lado, quando passamos a vitimizá-las a ponto de não saber a diferença do hoje para o passado, defendendo uma opressão tamanha que não é real.

Nos perdemos na luta, deixamos muitas vezes de lutar por igualdade, deixamos de exigi-la para pedir privilégios, cotas. Nos perdemos quando achamos que tudo bem ser preconceituosa, afinal fomos e somos vitimas de preconceito. Nos perdemos quando queremos silenciar os homens com a desculpa de que ontem e ainda hoje por vezes somos silenciadas. Nos perdemos quando defendemos misandria, ódio, raiva. Nos perdemos quando vemos uma mulher frágil precisando de ajuda e usamos ela para nossa luta. Nos perdemos quando, ao invés de batalharmos para um país mais igual, apoiamos um governo que adora segregar a sociedade. Nos perdemos quando deixamos de ouvir.

Talvez você não se identifique com tudo que eu disse - eu particularmente não -, mas muitas são assim, e quando temos dois lados extremos guerreando, como se tudo fosse uma disputa de quem sofre mais, nós perdemos como sociedade.



''Qual o lugar da mulher na sociedade? Eu espero que os defensores das liberdades civis reconheçam que esta é uma pergunta estranha. Você pode até não perceber como essa pergunta é estranha até que você reverta. Qual o lugar do homem na sociedade? Lugar do homem? A sociedade é composta de seres humanos, como um ser humano tem um lugar nele? ''  Joan Keneddy Tayler

O papel do homem no Feminismo - Vol.01

Pensei muito sobre o que eu deveria escrever primeiro neste blog, são tantas pautas a serem discutidas e tantas coisas que eu quero escrever que por vezes me perdi escrevendo um texto com mais de um assunto e outras sucumbi a eterna dúvida: ''Por onde começar?''

Existe uma atmosfera de debates dentro dos feminismos, dentre vários motivos, como por exemplo métodos para chegar aos seus objetivos e a inserção de um Estado paternalista. Mas o assunto que mais gera discussão é de fato os homens. Então resolvi começar por responder qual é o papel do homem no feminismo.

Em pleno século XXI, ainda estamos discutindo o sexo dos anjos. A bem da verdade esta discussão não é muito antiga visto que outrora homens tiveram papel importante na conquista dos direitos das mulheres. Bem disse Carlota Pereira ao subir no púlpito quando se se tornou a primeira mulher a ser eleita Deputada Federal no dia 13 de Março de 1934.

''Além de representante feminina, única nesta Assembléia, sou, como todos os que aqui se encontram, uma brasileira, integrada nos destinos do seu país e identificada para sempre com os seus problemas. (…) Acolhe-nos, sempre, um ambiente amigo. Esta é a impressão que me deixa o convívio desta Casa. Nem um só momento me senti na presença de adversários. (...)Num momento como este, em que se trata de refazer o arcabouço das nossas leis, era justo, portanto, que ela também fosse chamada a colaborar. (…)''

Dentre outras coisas em seu discurso, ela evidencia o papel do homem ao ajudar as mulheres na conquista do voto. Durante a Constituição de 1890 a discussão sobre o voto foi intensa, os adversários do voto feminino na época declaravam que, com ele, se teria decretada ''a dissolução da família brasileira''. Mas naquela época as mulheres que lutavam pelos seus direitos não estavam sozinhas, os homens políticos emprestavam suas vozes para lutar pelo direito delas. Homens como Juvenal Lamartine, Saldanha Marinho, Nilo Peçanha, Érico Coelho, César Zama e Fonseca Hermes.

Nas eleições para a Constituinte de 1933, elegeu-se, entre “os deputados do povo”, apenas uma mulher, Carlota Pereira de Queiroz, por São Paulo. Outra candidata, Berta Lutz, alcançaria a primeira suplência, pelo Distrito Federal.

Em outros tempos e em outros lugares do Mundo também surgiam homens que lutavam ao lado de mulheres, foi assim com  Marquês de Condorcet, Heinrich Cornelius Agrippa von Nettesheim, John Stuart Mill, Jeremy Bentham, François Poullain de la Barre dentre outros...

Ao longo dos anos as mulheres tiveram que lutar muito para ter seus direitos prevalecidos. Mas onde elas não alcançavam, seus aliados iam, e onde elas alcançavam, eles estavam a apoiá-las. Historiadores, inclusive, chamam Marques de Condorcet como o pai do feminismo pelas suas inserções em prol das mulheres na época da Revolução Francesa. Stuart Mill foi o fundador da Casa dos Machos Feministas. É curioso notar que este discurso de exclusão do sexo masculino é de vertentes recentes que se baseiam em conceitos de esquerda, onde divide a sociedade entre ''bem e mal'' como se estivéssemos em um conto infantil real.

 A sociedade é muito mais do que uma guerra de gêneros. Somos todos juntos, independente do gênero, orientação, etnia e credo, partes importantes na sociedade e na cultura. Se nossa luta é para moldar a cultura de forma que seja mais pluralizada, mais aberta e menos preconceituosa, não podemos lutar achando que, agredindo, vamos conquistar algo de produtivo, porque não vamos. Não se lava sangue com sangue, não se luta contra o preconceito com mais preconceito.

Parece-me que algumas feministas esquecem da história do próprio ideal e sucumbem em uma rede de ódio ao gênero masculino, desde as mais brandas, que só dizem que homem não pode participar e que misandria é uma reação, até as mais radicais, que dizem que homem bom é homem morto ou que só servem para praticar sexo oral. O que me surpreende nesses discursos é a facilidade de serem propagados e comprados por outras pessoas, as vezes até por homens.

É importante frisar que a ideologia visa desconstruir o machismo da sociedade, mas, acima de tudo, ela visa igualdade de direitos e deveres e liberdade para todos os indivíduos decidirem suas vidas como bem entenderem e não seguindo uma cartilha retrograda de uma cultura sexista que ainda se mantém até os dias de hoje. O feminismo é sim uma busca para colocar mulheres em pé de igualdade com os homens, mas isso não quer dizer que devemos silenciá-los dentro do movimento, pois eles certamente também sofrem com o machismo e fazem parte da sociedade, e nem fazer guerra de quem sofre mais. Quantificar sofrimento não é argumento para silenciar e agredir os homens.


Mas como podemos lutar para sermos vistas como indivíduos se julgamos o próximo pelo gênero? Será que muitas não estão tento as mesmas atitudes que criticam? Se desejamos uma sociedade mais livre, não será excluindo indivíduos que iremos consegui-la. A história já mostra que é possível homens feministas, e que eles foram importantes na luta também, que foram grandes apoiadores e, a esses, devemos agradecer, pois se temos hoje nossos direitos, devemos uma parcela, nem que mínima, a esses homens guerreiros do passado. 

E se hoje desejamos ter um amanhã, é imprescindível largar o discurso de ódio, a segregação por gênero e nos unirmos como seres humanos abertos para falar e para ouvir as mulheres mas também os homens.


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